terça-feira, 15 de junho de 2010

O corpo desbotado sem órgãos

O corpo desbotado habitava acima das luzes da cidade? Ele está deslocado no espaço, não possui um lugar certo. Mas era um lugar de combates, invenções e reinvenções constantes que não davam lugar à calmaria nem ao tédio. “Nada poderia ser de uma maneira e não ser de outra.” Não havia escolhas e não havia paz neste lugar repleto de diversidade mas ausente da linguagem, a própria multiplicidade psicótica, diria Artaud, que não se deixa apreender por nenhuma dialética entre o Sujeito e o Outro, pressuposto básico na teoria de Lacan que encerra o sujeito como um efeito de linguagem. Este corpo não reconhece gênero nem idade, sua identidade é o Devir, e o devir de gastar muito corpo, seu tom é o tom dos objetos usados. Ele representa as linhas de fuga e sustenta sonhos e espantos de gente humilhada e aquilo que foi esquecido. Neste corpo inscrevem-se insurgências e gestos incansáveis que te dão forma. Se ele delira, delira com o que está esquecido e em seu delírio também revela prazeres e hábitos comuns aos não desbotados. Ele pode estar a margem, ele pode estar entre os humilhados, mas ele revela que os não desbotados também são capazes de produzir os desejos de sua máquina. O corpo desbotado possuía ginga e astúcia pra escapar das armadilhas da sina, sabia que se caísse nessas armadilhas definharia-se.

Os homens crédulos ao projetarem suas “luzes” viam carência - Lacan de novo! E eis que as luzes incidem sobre o corpo desbotado, o alcance sináptico das instâncias de saber-poder projeta-se sobre o corpo-sem órgãos. O corpo que se permitia aos fluxos do desejo se configura agora a partir de automatismos e determinismos impostos na luminescência que veio por baixo. O corpo desbotado começa ganhar consistência, e a consistência incita-lhe discurso, da linguagem pretende se produzir o sujeito, mas sujeito já havia, então produz-se individualidade, individualidade muda e vazia onde antes havia potência.



Estava lendo um texto para a disciplina “Psicologia escolar e problemas de aprendizagem”, o texto era: A fábula do garoto que quanto mais falava sumia sem deixar vestígios: cidade, cotidiano, e poder. De Luiz Antonio Baptista. O texto começa bem literário e despertou em mim uma vontade absurda, afobada de escrever sobre. Dessa forma eu nem esperei terminar o texto e logo nas primeiras quatro páginas eu já havia escrito uma, estava realmente empolgado com as conexões que eu fazia e jamais esperaria que na página seguinte o autor se daria ao trabalho de explicar o que havia escrito, ingenuidade minha, provavelmente produzida por uma tarde de poesia e fotografia. Bem, acho que minha interpretação foi um pouco além, pra não dizer super viajante , mas o que escrevi até que ainda se encaixa e provavelmente farei meu ensaio individual pra disciplina a partir dele.