quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ética da crueldade ou Ética da vontade de potência.

Antes de qualquer coisa, este texto não vem fornecer uma nova concepção de ética nem um novo código de conduta. Minha intenção nestes rabiscos é o de pensar certos parâmetros e conceitos que atravessam as noções vigentes de ética e moral.

Esclarecendo o título, trago o termo crueldade a partir do significado adotado por Antonin Artaud em seu manifesto “O teatro da crueldade” cuja conotação apreende-se por uma aproximação com a natureza, sua vontade implacável e ausência de piedade. O cruel como intensidade que não pode ser detida, o agressivo animalesco em direção à vida ao invés da violência que tem origem na repressão, a fúria criativa no lugar da raiva ressentida! Artaud chama de crueldade o apetite de viver, o esforço para entrar em movimento, para sair da apatia. E é a partir desses conceitos que Artaud pensa um novo teatro, que abandonaria os psicologisismos para dar lugar às cenas intensas que extravasariam o palco para atingir a plateia. Um teatro mais pautado no movimento do que no discurso, mais preocupado em expressar do que em representar.

Não parece forçoso então, a aproximação do termo crueldade - da forma como empregada por Artaud - com o conceito de vontade de potência do Nietzsche. O teatro da crueldade é necessariamente intempestivo e dionisíaco! Assim como a vontade de potência, que não é a vontade de ter potência, mas sim, a potência na vontade, no novo, no múltiplo, no diferente. É a ação no lugar da reação.  É tomar a si mesmo pela mão e fazer da vida uma obra de arte!

               Dessa forma, busco articular estas concepções com a maneira pela qual aprendi a pensar a ética por Espinoza, um posicionamento vigilante na vida em que se buscaria a produção, preferencialmente, de bons encontros, encontros estes, capazes de produzir transformações em favor da vida, da potência e dos afetos alegres.  Não nos deixando capturar pela armadilha que todas dualidades podem conter, bom encontro e mal encontro, opostos que deixam escapar linhas que apenas análises contextuais frequentes e prudentes podem dar conta. Se perguntar constantemente “O que estamos produzindo?” “Quais são seus os efeitos?” “O que se busca com isso?”. Pode parecer um certo pragmatismo da afetividade, mas são boas estratégias para não se perder à mercê das contradições fornecidas ao se pensar opostos.

Foi a partir dessas perguntas que cheguei à conclusão de que muitas vezes partimos dessas armadilhas ao obscenizar forças que possam ser produtivas e glorificar outras que possam ser adoecedoras. E pensar a ética da crueldade ou da vontade de potência é tentar romper com noções de obsceno e glorioso pré-estabelecidos, rompendo com julgamentos a priori e preconceitos que mediam a experiência e impedem a produção de potência e de alegria.

O “respeito” por exemplo, na maioria das vezes é sempre identificado como algo bom, algo que deva se buscar. Mas o que pode produzir este respeito? Eu tenho uma opinião, você tem outra, vamos nos respeitar e cada um vai pro seu lado, sem trocas, sem transformações, o que isso produz? Qual o perigo de expormos nossas opiniões? Há vários riscos, poderíamos mudar de opinião, poderíamos ampliar nossas perspectivas acerca de um tema. A ética da vontade de potência busca bancar estes distúrbios, não ter medo de mudar, buscar o imprevisto, o caótico e fazer disso potência. Não abrir mão do conflito.

Qual o problema com o conflito? A maioria das pessoas morrem de medo, mas muitas vezes é no choque de opiniões, de ideias, de concepções é que se produz a diferença! Não é a toa que ética tem muito a ver com atenção, atenção ao contexto. Conflitos são ruins? Quando eles são ruins e quando eles podem ser bons? Um embate de forças que potencializa as forças envolvidas tem tudo pra ser um bom encontro.

Aqueles que não dão conta de bancar a intensidade dos conflitos se respaldam em compreensões miseráveis sobre respeito e amor. “Não vou expor minha opinião por que te respeito!” E o que chamamos de amor? É necessariamente algo bom? Esta palavra que serve como desculpa para todo tipo de opressão, sejam pais que se sentem no direito de fazer tudo com os filhos porque os “amam” ou pessoas que acreditam que podem controlar a vida de seus parceiros em nome do “amor”. Compreensões mais intensas do amor são capazes de nos mostrar um amor furioso, e limpo. Um amor intempestivo que busca potencializar a vida e não apenas retroalimentar misérias afetivas. Mas como permitir a intensidade dos afetos? Para isso, acredito que seja necessário, além de suportar os conflitos, ser capaz de bancar o sofrimento. Com certeza uma das concepções mais obscenizadas, o sofrimento é visto prioritariamente como algo ruim, e na tentativa de se proteger desse sofrimento as pessoas se defendem também contra as intensidades, os afetos alegres e a capacidade de amar. Sofrer é ruim, sim, mas faz parte da vida, é inevitável. Pensar a vontade de potência neste caso implica no que pode ser feito com este sofrimento, com estas angústias, em usá-las a favor de seu desenvolvimento. Pois, ao se proteger contra o sofrimento nos protegemos também de todas as demais intensidades inclusive as que podem ser potentes e alegres.

“Alguma vez já dissestes sim a uma alegria? Ó meus amigos, então dissestes ao mesmo tempo sim a todas as dores. Todas as coisas estão encadeadas, misturadas, amorosamente enlaçadas. Alguma vez desejastes que alguma coisa se repetisse? Alguma vez dissestes: ‘agrada-me felicidade, piscar de olhos, instante!’? Então desejastes o retorno de todas as coisas, voltando todas de novo, todas eternas, encadeadas, misturadas, amorosamente enlaçadas. Oh, foi assim que amastes o mundo! Vós próprios eternos, vós o amais eternamente e sempre; e à dor dizeis: ‘Passa, mas regressa!’ Porque a alegria quer a eternidade!” (assim falou Zaratustra )







Addendum-

Em tempo: Vejamos a “Esperança”, por mais que eu tente pensar contextualmente, ainda não consegui encontrar um contexto no qual essa tão querida esperança tenha sido interessante, simplesmente esperar não muda nada, não produz nada! Se você tem esperança de que algo bom lhe acontecerá, se este algo acontecer, bacana, se não acontecer, você apenas colherá as frustrações que você plantou ao ficar esperando . Até por que não importa se o que acontecerá será bom ou ruim, mas sim, o que você fará com isso no momento em que acontecer! Portanto, vale muito mais a pena fazer acontecer do que esperar, sem ansiedade, sem frustrações. Os gregos já sabiam disso, vejam só, Pandora abriu uma caixa que continha TODOS  os males que existem e assombram a humanidade hoje, no fundo da caixa havia a Esperança, será que não é por que ela é o pior de todos os males?  Des-espere!